NOTA DE REPÚDIO
NOTA DE REPÚDIO DE DOCENTES E DISCENTES DA UFCG ÀS DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE BOLSONARO E DO MINISTRO DA EDUCAÇÃO SOBRE ENSINO E PESQUISA DE CIÊNCIAS SOCIAIS E FILOSOFIA
À Comunidade Acadêmica e Científica da Universidade Federal de Campina Grande
Aos cidadãos e cidadãs da Paraíba, munícipes de Campina Grande.
Nós, docentes e discentes das áreas de Ciências Sociais e Filosofia da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) fomos tomados de surpresa e indignação ao ler na imprensa, na manhã do dia 26 de abril, declaração do presidente da República pelas redes sociais, seguidos pelo ministro da Educação acerca do ensino e pesquisa em nossa área de conhecimento.
Segundo o tweet do presidente divulgado pela imprensa, “o governo deve respeitar o dinheiro do contribuinte” e “focar (o investimento) em áreas que gerem retorno imediato”, o que na visão apresentada pelo presidente e pelo ministro, seria viabilizado pelo corte de verbas para as áreas de Ciências Sociais e Filosofia.
As autoridades revelam ignorância sobre os estudos na área, sobre sua relevância, seus custos, seu público e ainda sobre a natureza da universidade. Usam de meias verdades e inverdades para difamar os profissionais dessas áreas. Confunde o “útil” com o “utilitário”, que é o útil a curtíssimo prazo, mas que pode custar caro no longo prazo.
Ao contrário do que afirmam, não há gastos excessivos com as Ciências Humanas no país. As despesas aprovadas no Orçamento da União para 2019, ainda no governo Temer, são de R$ 3.191.485.750.349,00 dos quais 39% são destinados a “refinanciamento da dívida interna” e 33% são para “serviço da dívida interna”1. Ou seja, mais de 70% estão comprometidos com empresário e banqueiros!! A título de comparação, a mesma peça orçamentária prevê apenas 3% na rubrica de transferências para a educação básica2. O orçamento da União para 2019 autorizou corte de 35% comparado com o ano anterior, o que, na opinião do presidente da FINEP, gera uma situação “simplesmente calamitosa”3. Somente 1,02% das despesas foram destinadas para o Ministério da Ciências, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC)4, sendo uma parte desse percentual para os investimentos em pesquisa no qual os gastos nas Humanidades, em especial as Ciências Sociais e a Filosofia, são uma parte ainda menor.
Quanto à menção de Bolsonaro e seu ministro de que o Japão teria adotado a mesma medida, ocultou-se do público que “Após forte reação das principais universidades do país, incluindo as de Tóquio e de Kyoto (as únicas do país entre as cem melhores do mundo), e também da Keidanren (a Federação das Indústrias do Japão) – que defendeu que ‘estudantes universitários devem adquirir um entendimento especializado no seu campo de conhecimento e, de forma igualmente importante, cultivar um entendimento da diversidade social e cultural através de aprendizados e experiências de diferentes tipos’ – o governo recuou e afirmou que foi mal interpretado”5.
Em relação à utilidade, é importante destacar que os estudos sociológicos e filosóficos estão na base do desenvolvimento dos direitos políticos, sociais e trabalhistas; nas políticas de educação das desigualdades sociais e educacionais, de distribuição de riqueza, bem-estar social, ampliação das oportunidades sociais e qualidade de vida. Embasaram tanto as lutas por direitos, cidadania, bem-estar e dignidade, quanto os arranjos político-institucionais que daí resultaram nas sociedades contemporâneas, sobretudo nos países centrais.
Especificamente na Paraíba e em Campina Grande, participamos de iniciativas voltadas à consolidação da cidadania e dos direitos humanos na capacitação de docentes e discentes em escolas públicas, consoante ao esforço de melhoria da capacitação docente no nível médio, durante o período em que esse foi o mote da orientação do governo federal.
Da mesma forma, a forte tradição de estudos rurais e em outras temáticas das ciências sociais tem contribuído para refletir sobre os processos que geram (ou não) a eficiência das políticas públicas no âmbito local e sua capilarização em nossa realidade social, contribuindo com que os gestores públicos elaborem uma reflexão sobre os serviços prestados à população nos municípios da região.
Tudo isso faz das Ciências Sociais e da Filosofia áreas de grande relevância e alto impacto na consolidação da cidadania, dos direitos sociais e da democracia, valores essenciais contidos na Constituição Federal, que cabe ao governo atual fazer cumprir, e não tergiversar com discurso vazio e desqualificado sobre “ideologia”.
Por isso, afirmamos à comunidade da UFCG e à sociedade paraibana em geral que queremos, simplesmente, continuar a ministrar nossas aulas aos discentes que lá ingressam, capacitando-lhes através da docência, da pesquisa e da extensão – a tríade que a Constituição anuncia como papel inalienável das Universidades Públicas, a que o atual titular do MEC deveria gerar política para sua viabilização – para que estes jovens possam, no futuro, exercer seu trabalho e contribuir no esforço por constituir uma sociedade com maior Justiça e inclusão social.
Campina Grande, 29 de abril de 2019.
1 Disponível em http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/cnpq-e-finep-alertam-para-dificuldades-por-cortes-no-orcamento-de-2019/. Acesso em 27/04/2019
2 Disponível em http://www.portaltransparencia.gov.br/orcamento. Acesso em 27/04/2019.
3 Disponível em https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2018/08/corte-de-orcamento-deixa-ciencia-em-situacao-calamitosa-diz-presidente-da-finep.html. Acesso em 27/04/2019.
4 Disponível em:
www.planejamento.gov.br/assuntos/orcamento-1/orcamentos…/2019/…/volume-1-1.pdf. Acesso em 27/04/2019
5 Disponível em https://abecs.com.br/nota-de-repudio-a-declaracoes-do-ministro-da-educacao-e-do-presidente-da-republica-sobre-as-faculdades-de-humanidades-nomeadamente-filosofia-e-sociologia/. Acesso em 27/04/2019.